Beira Meu Amor

A Beira foi o grande amor da minha vida. Recebeu-me com seis anos, em Novembro de 1950 e deixei-a, com a alma em desespero e o coração a sangrar, em 5 de Agosto de 1974. Pelo meio ficaram 24 anos de felicidade. Tive a sorte de estar no lugar certo, na época certa. Fui muito feliz em Moçambique e não me lembro de um dia menos bom. Aos meus pais, irmão, outros familiares, amigos e, principalmente, ao Povo moçambicano, aqui deixo o meu muito obrigado. Manuel Palhares

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Localização: Odivelas, Lisboa, Portugal

quinta-feira, abril 27, 2006

Do Largo do Município até à Praça da Índia - II


2.ª Parte

Estávamos então naquele cruzamento: o Grupo Dramático Actor Eduardo Brazão, a Catedral e a Escola de Artes e Ofícios do lado esquerdo; a casa do sr. Eng. António Barreto, a Escola Primária Eduardo Vilaça e as intalações da Mocidade Portuguesa do lado direito.
- É malta! - gritava o Jorge Cortez com a excitação. - Era aqui que o meu pai ensaiava as peças de teatro de que já vos falei e, anos mais tarde, foi também aqui que ensaiei com os Rebeldes.
- E quem está agora interessado nisso? - exclamou o Paulo Barreto, quase sem respirar, tal era a exaltação. - Eu, eu é que morei nesta casa. Vejam só o jardim onde brinquei com o meu "pequenino" João e aquelas árvores para onde eu subia e imaginava que era o Tarzan. Já naquela altura eu era bom nas actividades físicas.
- Ó malta, estejam lá calados. Vocês eram ainda miúdos quando eu ensaiei aqui a peça " No Reino Sonhador do Rosival". Eu que morava ali naquela moradia. Estão a ver? E o meu amigo Plácido morava aí, nessa moradia que está por trás do teatro. A mãe dele era uma senhora que era modista e tudo! E, e, ... - engasgou-se o Victor " Hunter", que tinha vindo de propósito do México para participar nesta excursão a Moçambique.
- Ora, Ora! É tudo criançada. O meu avô, antes de isto ser teatro, teve aqui uma mercearia, no rés-do-chão e vivia por cima, com a minha avó e as filhas. Era aqui que o meu pai vinha namorar com a minha mãe e tudo - afirmou, olhando para nós com algum desdém e dando com a cabeça um trejeito à Miss Piggy, a Maria Manuel, que eu tinha conhecido há mais de meio século, no Jardim de Bacalhau, quando os meus pais e eu estivemos hospedados na pensão Leão de Ouro.
-Eia lá meninos, mas o que vem a ser esta gritaria toda? Está-se a portar melhor a juventude que vós - ralhou, a brincar, o Costinha, que trouxe com ele a família toda de Portugal e, com calma, vinha a explicar aos netos todos os pormenores dos sítios por onde íamos passando e ao mesmo tempo fotografava tudo na sua máquina digital.
- Vamos descansar um pouco ali no pavilhão da Mocidade Portuguesa e recordar os torneios que ali assistimos - ainda disse o Costinha, mas ali ninguém parecia ouvir ninguém.
Eu estava com a cabeça num turbilhão. Senão vejamos: também eu tinha vivido numa ruazita que passava nas traseiras da casa do Paulo Barreto, na que foi a nossa primeira casa na Beira; tinha andado na escola Eduardo Vilaça e aí pintado a manta; tinha feito o crisma na Catedral e dali fui, em algumas procissões, até à Igreja de Nossa Senhora de Fátima, no dia treze de Maio de alguns anos - a Primeira Comunhão fi-la nas minhas queridas e saudosas "Ma Méres" quando era ainda pequenino; na rua que ficava por trás do Eduardo Brazão aluguei motorizadas Solex, namorisquei e treinei basquetebol no Desportivo da Beira; passei, primeiro em jovem e depois em adulto, horas sem fim no referido Pavilhão da Mocidade Portuguesa - ora como atleta das equipas de basquetebol e voleibol do Liceu Pêro de Anaia, que defrontavam as da Escola Comercial e Industrial Freire de Andrade, ora como espectador dos campeonatos distritais e concelhios de basquetebol, andebol, voleibol, hóquei em pantins e futebol de salão, que ali se disputavam; foi ali a que assisti a uma demonstração de artes marciais, já na década de setenta.
Ainda nesse cruzamento, pudemos ver, para a nossa esquerda e ao fundo, as antigas instalações do Centro de Cultura e Arte da Beira, que ali funcionou antes de se mudar para as novas instalações, ao pé da Casa dos Bicos, junto ao Rio Chiveve e, finalmente, olhando para a nossa direita, vimos ao fundo do recreio da Escola Eduardo Vilaça, a Escola do Magistério Primário da Beira. Para terminar, por hoje, digo-vos que será difícil encontrar na Beira um cruzamento com tanta importância na vida de tantos de nós.
Está difícil chegar à Praça da Índia, não está?! Lá chegaremos, lá chegaremos! Se não me faltar a memória.
Até um dia destes pois.
Com amizade.


Manuel Palhares

Odivelas, 27 de Abril de 2006.

13 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Manel´
Ainda estamos no cruzamento da Escola Eduardo Vilaça e vê lá quantas recordações...
Sentado nas escadas do Pavilhão lembrei-me do Capitão Sousa Teles, professor de ginástica dos Maristas nos anos 50 e do Trepa Torres ligado á Mocidade.
O Plácido que todos falam não será o Pelágio Correia?
Está na altura de continuarmos.
Um abraço e bom fim de semana.
M.Costa

sexta-feira, abril 28, 2006 12:19:00 da tarde  
Blogger Manuel Palhares said...

Olá Costinha,

É como dizes - quantas recordações. E fica tudo aqui guardado para os nossos netos.
Lembro-me bem dos nomes que referes. Ao capitão não o conheci, mas ouve um Sousa Teles que foi governador civil da Beira, não houve? Ao Trepa Torres conheci bem e ainda levei uns cachaços dele. Não me recordo do apelido do Plácido, apesar de ter estado com ele aqui há uns anos atrás.
Bem, com o tempo que esta malta está a demorar, com tanta conversa e tantas fotografias, nunca mais chegamos.
Um bom fds para ti também e um abraço do,

Manel

sexta-feira, abril 28, 2006 2:58:00 da tarde  
Blogger Manuel Palhares said...

Coca-Cola,

Obrigado por este lindo, bem estrurado e muito bem escrito texto, que suponho relatar o princípio de um dia de domingo, para os alunos internos do Colégio Luís de Camões, na cidade da Beira.Parabéns.
um beijinho,

Manel

segunda-feira, maio 01, 2006 4:37:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Querido Manuel Palhares,

Há já algum tempo que não visito o teu blog.

Durante uns 15 dias não andei bem da minha cabeça. Depois tive a Patrícia (minha neta) a meu cargo. Os pais estiveram ausentes do país. Tive até medo de não dar conta do recado. Todavia, correu tudo bem. Ainda arrnjei coragem para dar um almoço de família. Um beijinho, da Aida

terça-feira, maio 02, 2006 2:47:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Querido Manuel Palhares,

Também vivi na Beira. Fiquei encantada com o teu texto. Parecia ver-me a percorrer todas as ruas e estabelecimentos que tão bem guardas na mente.

A propósito, leste o Cais dos Murmurios de Lídia Jorge?

O que pensas do livro?
Gostava de saber a tua opinião...

Mais um beijinho da Aida

terça-feira, maio 02, 2006 2:51:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Querido Manuel Palhares,

Vê-se bem que foram os lugares da tua infância. Tens tudo tão vivo na tua excelente memória que ao lermos os teus textos nos sentimos transportados à Beira daqueles tempos.
Também por lá andei dois anos e tive uma vivência muito interessante com os meus vizinhos que eram famílias de militares.
Andavamos sempre em festa em casa uns dos outros.
As festas gerais como Natal, Ano Novo e Páscoa eram feitas em casa ora de um ora de outro à vez.
Para as festas particulares de cada família éramos convidados para as respectivas casas.

Quando estive em Moçambique (há três anos) encontrei um arquitecto belga, em Pemba que conhecia muito bem a Beira e que a classificou como uma cidade fantasma, colorida e cheia de côr, com trepadeiras a trepar por todo o lado, não poupando as casas que em breve seriam ruínas. Que pena!

Um beijinho muito afectuoso, da Aida

quarta-feira, maio 03, 2006 3:40:00 da tarde  
Blogger Manuel Palhares said...

Querida amiga Aida,

Que grande alegria em ler-te de novo aqui.
Espero que estejas melhor.
Uma avó dá sempre conta do recado, quase sempre muito melhor que os pais. Quase todos os netos concordarão comigo. Estou-me a rir!
Eu sei que também viveste na Beira e até parece que foste lá muito feliz, não é verdade?
Tens aqui a 3ª parte do passeio ficcionado que estamos a dar pela Beira.
Agora, minha querida amiga, vem a parte de mais difícil resposta. És uma malandra ao perguntar-me isto. Já li o livro há bastante tempo e já o tenho um pouco difuso na memória, mas lembro-me de na altura ter ficado furioso com as inverdades que lá vinham escritas. Eu sei que um escritor cria, inventa, ficciona, mas dizer que os cadáveres apodreciam por todos os lados, que as escavadoras abriam valas para os enterraram e que as águas do Rio Chiveve estavam vermelhas com o sangue, não é ético, nem intelectualmente honesto - é mentira. Se na Pousada de Santa Luzia, mais tarde messe dos oficiais, as esposas dos ditos se divertiam, enquanto os maridos estavam no mato, isso acontece em todo o lado. Em resumo, não gosto da senhora, nem do que ela esvreve. Não gosto de ser politicamente correcto e gosto muito de dizer que o rei vai nu.
Um abracinho e um beijinho, com muita amizade, do amigo que está sempre ansioso pelas tuas palavras lúcidas e esclarecedoras,

Manel

quarta-feira, maio 03, 2006 3:46:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Querido Manuel Palhares,

Constatei agora que digo as mesmas coisas por diversas vezes.
Não repares. É falta de prática. Antes de escrever procurei ler o que havia escrito antes sem que tivesse conseguido. Pensei: Continuo a não perceber nada disto. O que escrevo continua a não aparecer! Engano meu. Lá estava tudo.

Mais um beijinho, da Aida

quarta-feira, maio 03, 2006 3:49:00 da tarde  
Blogger Manuel Palhares said...

Minha querida amiga Aida,

Verifico que apesar de a minha resposta ter sido longa, escapou-me um e-mail teu. O que fazia referência à tua vida na Beira de então - que já me tinhas contado - e ao que te contou o arquitecto belga sobre a Beira de agora.
Pois a vida na Beira de então era uma alegria, como tu muito bem relatas.
O que te contou o arquitecto belga em Pemba, infelizmente é verdade.
Mas as minhas memórias são da Beira em que vivi até 1974 e ninguém me pode tirar isso.
Um beijinho,

Manel

quarta-feira, maio 03, 2006 7:25:00 da tarde  
Blogger Manuel Palhares said...

Coca-Cola,

Eu, ando sempre atrasado nas minhas respostas, mas respondo sempre. Hoje até no próprio dia. LOL!
Pois é, faltou pelo menos o título ao teu texto, mas como já tinhas anteriormente abordado a tua estadia na Beira, fiquei logo dentro do assunto.
A propósito - " comadre, que mal lhe pergunte" - como dizem os brasileiros, por que motivo tua ias de férias a LM, onde suponho viverem os teus pais, e estavas internada na Beira? Pode-se saber, passado tanto tempo, essa estranha razão?
Isso de repetir só as coisas boas do passado, não existe. O pacote vem inteiro, embora se finja que se sublima as más, não é?
Se não fosse o inconsciente a vida até nem era complicada. O que estraga tudo é o que ele lá guarda. Isto desde que Freud se lembrou de falar nele, até aos psicanalistas de agora.
Um beijinho,

Manel

quinta-feira, maio 04, 2006 3:22:00 da tarde  
Blogger Manuel Palhares said...

Coca-Cola,

Olá! Boa tarde!
Pois, a vida é composta pelo mau, pelo bom e pelo assim assim assim, sem possibilidade de separação do que não nos agrada.
Já percebi porque te internaram no Camões:lamento, mas, mais uma vez, já não há nada a fazer.
Uma boa semama para ti e um beijinho do,

Manel

segunda-feira, maio 08, 2006 1:41:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Manel
não o conheço e o que me leva a escrever foi ter visto o nome da escola da Beira. É que o Eduardo Vilaça era o meu bisavô! Achei graça, pois nem sabia.
Um abraço

sexta-feira, julho 07, 2006 1:28:00 da manhã  
Blogger Manuel Palhares said...

Ao bisneto de Eduardo Vilaça,

Embora não me tenha deixado nehum endereço electrónico, não lhe respondi na altura, porque fiquei mais de dois meses sem internet e depois, quando resolvi o problema, não vim mais a esta
pequema "crónica".
Como o mundo é pequeno com a Net, não é?!
Um abraço,

Manel

quarta-feira, dezembro 20, 2006 7:28:00 da tarde  

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