Beira Meu Amor

A Beira foi o grande amor da minha vida. Recebeu-me com seis anos, em Novembro de 1950 e deixei-a, com a alma em desespero e o coração a sangrar, em 5 de Agosto de 1974. Pelo meio ficaram 24 anos de felicidade. Tive a sorte de estar no lugar certo, na época certa. Fui muito feliz em Moçambique e não me lembro de um dia menos bom. Aos meus pais, irmão, outros familiares, amigos e, principalmente, ao Povo moçambicano, aqui deixo o meu muito obrigado. Manuel Palhares

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terça-feira, janeiro 31, 2006

As minhas aventuras em Pebane - IV


Episódio Nº4 – A ida à Praia


- Zambézia! Zambézia! Estás aí? Onde te meteste?
- Estou aqui, Manuel! - respondeu-me o Zambézia, encavalitado num tronco de uma enorme mangueira que havia no quintal. Estava comendo uma manga, daquelas que parecem ter vindo do paraíso, pintadas em tons de verde, amarelo e vermelho! - Queres uma? – perguntou-me ele.
- Não, obrigado. Já pensate no que vamos fazer hoje à tarde? Se quiseres jogar à bola, eu tenho uma lá em casa. Posso ir buscá-la. Que dizes?
- Manuel, está muito calor para jogar à bola. Tu não queres ir tomar banho na praia? Brincar com a areia? Ficar deitado perto da água e tomar banho com o espuma? Ias ser bom! Tu que pensa? Num quer ir? Fala Manuel.
Eu estava calado porque a minha mãe tinha-me dito que não gostava que eu fosse para a praia sozinho. E por isso tardava em dar a resposta ao Zambézia. Por fim, disse-lhe o motivo da minha hesitação.
- Ó Manel, mãe é assim mesmo! Pensa que nossos, os rapazes, ser igual às mininas. Estar sempre com os medos.
- Pois, mas eu não vou agora entrar em casa para ir buscar os calções de banho.
- E tu precisas disso para quê? Tu não usas cueca?
- Uso e depois? O que é que isso tem a ver com a praia e o banho?
- Então tu tomas banho com os cueca e depois pões a secar.
Aquilo para mim entrava numa situação nebulosa entre verdade, mentira e desobediência. Mas realmente estava tanto calor! Até que me convenci a mim próprio que ia apenas dar um passeio até à praia e lá chegado, todo suado, o melhor era mesmo tomar um banhito para tirar aquele suor todo e não chegar a casa empapado no dito. Foi um pensamento tortuoso, para contornar a desobediência e ficar de boa consciência comigo, com os remorsos, com a minha mãe e com Deus. Era álibi para consciências pesadas.
- Ó Manuel, Manuel! – chamava-me o Zambézia. – Tu está a pensar no quê?
- Olha Zambézia, estou a pensar que tu aí em cima da mangueira, a convidar-me a ir à praia, sem pedir autorização à minha mãe, pareces o diabo.
- Xá! Xá! Diabo, eu? Num pode ser. Eu não ser mau! Eu ter respeito com Deus. Lá na missão que eu costumava ir, o padre ensinou para nosso essa coisa do diabo. Eu não ser essa coisa não. Eu não fazer mal nos outros, não senhores. Eu aprendeu esse coisa do respeito...
- Pronto! Pronto! Zambézia, convenceste-me. Vamos lá à praia. Ainda vou arranjar problemas, mas vamos lá.
- Problemas, nada! Vai ser bom – disse o Zambézia.
Chegados à praia, tirei a camisa e os calções e coloquei-os dentro do capacete, junto às sandálias, perto de uns arbustos. A praia de Pebane era uma praia diferente das outras, parecia uma praia de uma região vulcânica. A sua areia não era limpa como uma praia padrão. Estava impregnada de um pigmento escuro, que era um minério do qual não me lembro agora o nome. Era exactamente esse minério, que se misturava com a sua areia, um dos motivos pelos quais eu me encontrava em Pebane. O meu pai tinha-se ali deslocado profissionalmente para fazer o levantamento topográfico das praias de Pebane e de uma ilha que ficava mesmo em frente a Pebane, a Ilha do Idugo, onde esse minério abundava em grande concentração. O objectivo final, depois dos estudos preliminares, era fazer a extracção desse minério para fins industriais e ao mesmo tempo devolver à praia a areia limpa do mesmo. Era obra de gigantes! E, como muitas outras coisas em Moçambique, teve os seus “velhos do Restelo” e acabou por não ir avante e ficar pelos estudos de viabilidade técnica e económica. O outro motivo que fez com que o meu pai se deslocasse à Zambézia, tinha também a ver com um levantamento topográfico numas minas que ficavam a uns quilómetros de Pebane e das quais falarei noutra ocasião. Porque também essas minas, as entranhas da terra virgem da Zambézia, fazem parte do meu imaginário africano. Mas, terminada esta pequena explicação sobre a razão pela qual estávamos em Pebane, voltemos aos dois miúdos que abandonámos na praia. Esqueceram-se deles? Vamos ver o que estão a fazer?
Pois que podem estar a fazer dois miúdos de dez anos, numa praia deserta e só deles, com uma areia diferente? Exactamente o que fariam em qualquer outra praia. Corriam, saltavam, tomavam banho de mar e espuma, faziam construções na areia e deitavam-se a apanhar sol. Os quatro cães, que sempre nos acompanhavam, faziam o mesmo que nós. Não havia diferença nenhuma, éramos seis crianças que se divertiam imenso, num canto do paraíso. O Zambézia ensinou-me como aliviar as irritações cutâneas provocadas pelas alforrecas e pelas garrafas do azuis: esfregar areia na zona afectada.
De repente olhei para o sol e reparei que já vinha baixo. E veio-me à memória uma coisa: o lanche! Tinha-me esquecido e já era tarde. Não faltava muito para anoitecer. Talvez menos de uma hora. Tirei as cuecas, vesti os calções, calcei as sandálias e corremos para casa a bom correr que a praia não era assim tão perto. A meio da vila encontrei um empregado que a minha mãe, já preocupada, mandara procurar-me. Avistei logo a minha mãe, que dava a mão ao meu irmão, na varanda exterior que circunscrevia a casa. Estava com cara de poucos amigos e tinha razão. Eu vinha de cabelos desalinhados, camisa de fora, cheio de areia e de cuecas na mão.
- Foste à praia, Manuel Alberto? – quando a minha mãe me chamava Manuel Alberto, as coisas não estavam nada boas para o meu lado.
- Fui mamã, desculpa! – disse eu.
- Desobedeceste-me! Não esperava isso de ti. Estás num lindo estado, não haja dúvidas. Entra e vai imediatamente para a casa de banho e prepara-te para o jantar. Hoje não lanchas!
- Sinhora! Dá licensa, sinhora?
- E tu é que és o Zambézia, não é verdade? Esperava conhecer-te noutras circunstâncias. Sem ser a fazeres asneiras com o meu filho.
- Mas sinhora, os minino não teve culpa. Foi eu, o Zambézia, que desafiou a ele para ir no praia com nosso. Num zanga sinhora. Disculpa o minino. Culpa é do Zambézia.
A minha mãe olhou para ele com uma ternura que só uma mãe sabe pôr no olhar e disse-lhe numa voz doce:
- Já falei com o teu pai e pedi-lhe para te deixar cá vir amanhã lanchar com o meu filho. Quero conhecer-te melhor Zambézia!
- Está muito bem sinhora, obrigado. Nosso amanhã vem lanchar aqui neste casa.
- Então fica combinado. Até amanhã, Zambézia.
- Até amanhã, sinhora!


Fim do 4º Episódio


Manuel Palhares

Odivelas, 17 de Setembro de 2005.

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Noite de Natal, noite de Milagres...assim o espero. como entrei no seu blog e vi que conhecia Pebane queria pedir-lhe um grande favor, er se conhecia lá alguem que tivesse net(?) porque queria dar alegra a uma mãe que não sabe se o filho é morto ou vivo chama-se FERNANDO ALBERTO VALENTIM ele trabalhava com madeira para o pai nessa zona. Se alguem me podesse ajudar eu agradecia de todo o coração, helena

quinta-feira, dezembro 25, 2008 12:41:00 da manhã  
Blogger Manuel Palhares said...

Helena,

Infelizmente não a posso ajudar!

Estes relatos que faço de Pebane aconteceram há mais de 50 anos atrás, quando lá passei uma férias em 1956/1957.

Umas Boas Festas para si e para os seus,

Manuel Palhares

quinta-feira, dezembro 25, 2008 1:43:00 da tarde  

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